Hoje eu sinto o meu passado como um peso insustentável. Ele interfere na minha vida presente, e deve ser a causa desse fechamento de portas. Anais Nin |
Rosana Paulino |
Quem somos, de verdade?
Sou filha da dor. Maria Oliveira, árvore da fé, da vida e da força. Sou fruto da resistência do amor perante um mar de violências. Já nasci assim, sendo força contrária. E segui na contramão. Vi muitas feridas abertas, outras sendo costuradas e algumas já cicatrizadas. Carrego em mim um tanto desse amor que me gerou e um tanto do ódio no qual nasci. E vivo nessa instabilidade constante. Tem algumas coisas que me ajudam a encontrar o equilíbrio, como tricotar, que aprendi com a minha mãe. Mas, isso também me faz pensar muito nela, então fico calma quando estou tricotando mas ao mesmo tempo triste por lembrar da minha mãe, e também feliz por ela ter sido uma mulher tão forte e generosa.
Os fios desse novelo me fazem lembrar histórias, que não
são fáceis de contar. Histórias que vivi há muito tempo, e por muito pouco, mas
que me contaram a vida toda. São
as histórias das mulheres da minha vida. Esse
enrolar de fios me lembram da minha mãe, e em como ela contava das suas
lembranças, enrolada por um fio que queimava, ela e um pedaço da sua vida que
perdeu pra sempre.
Minha vizinha de cela,
não tenha medo da dor,
mais vale ser um defunto,
que estar vivo e ser traidor.
Eu também tava lá. E ela encontrou o fio que nos unia, e nele teceu a coragem e a
vida, não se permitiu ser destruída. As memórias vão com o tempo, se desfazem. Mas
tem algumas que não encontram consolo, apenas algum alívio: são as pequenas
brechas da poesia. As mulheres da minha
vida me envolveram com muitos fios, que foram tecendo na minha frente. E eu,
deslumbrada com o movimento e a força de cada uma delas. A tortura
abriu um buraco nelas, mas iam encontrando
coragens, ideias, novas histórias, que iam costurando dentro de si. O fio de
uma passava por outra, que passava por outra, deixando forte e resistente a
costura de cada uma e a que unia todas elas.
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